Maioridade penal:
Uma análise sobre o
cérebro dos jovens
22/06/2015 - 09H06 - POR CARLOS ORSI
ÚNICA FOTOGRAFIA CONHECIDA DE WILLIAM “BONNEY” MCCARTHY, O BILLY THE
KID, QUE COMETEU SEU PRIMEIRO HOMICÍDIO AOS 17 ANOS. (FOTO: REPRODUÇÃO)
Um dado curioso do
debate brasileiro sobre maioridade penal é a insistência com que emerge a afirmação,
peremptória, de que os jovens de hoje “não são ingênuos como os de antigamente”
e “sabem muito bem o que estão fazendo”.
A primeira questão
que um observador cético poderia levantar é: “de antigamente”, quando? Em 1874,
os Estados Unidos condenavam Jesse Pomeroy, de 14 anos, à prisão perpétua por
duplo homicídio. William Henry “Bonney” McCarthy, o “Billy the Kid” do Velho
Oeste, matou pela primeira vez aos 17, e aos 20 já tinha a cabeça a prêmio. Foi
morto pouco depois, em 1881. Nathan Leopold e Richard Loeb, a dupla de
assassinos que inspirou o filme “Festim Diabólico” de Alfred Hitchcock,
cometeram o assassinato pelo qual foram condenados, em 1924, quando já eram
maiores de idade – tinham 19 e 18 anos, respectivamente – mas haviam
participado de crimes menores, antes.
Delinquência
juvenil – incluindo crimes escabrosos, cometidos com arrogância, violência e
crueldade – não é invenção dos tempos modernos. A percepção do problema talvez
seja maior hoje do que foi no passado, mas como apontou uma
reportagem da Folha de S. Paulo, faltam dados para que possamos ter
sua real dimensão.
Agora, se
adolescentes que cometem crimes bárbaros não são exatamente uma invenção
moderna, o que dizer da alegação de que eles “sabem muito bem o que estão
fazendo”? Há alguns anos, nos Estados Unidos, foi produzida uma boa
consolidação da ciência a respeito da capacidade do cérebro adolescente de,
exatamente, saber o que está fazendo. E isso por causa de Christopher
Simmons.
Esse jovem havia
sido condenado à morte, aos 17 anos, por um crime arrepiante: a vítima, uma
mulher, foi amarrada com fita adesiva, cabos elétricos e jogada do alto de uma
ponte. Em 2005, quando Simmons já estava com 28 anos, a Suprema Corte dos EUA
determinou que a condenação à morte de menores de 18 anos era inconstitucional.
Em 2004, quando a
questão ainda se encontrava em aberto, a revista Science publicouuma reportagem sobre
o papel da neurociência no julgamento. Resumindo, a melhor evidência científica
diz que o cérebro de um jovem de 16 ou 17 anos ainda não atingiu o
desenvolvimento pleno de áreas fundamentais para a responsabilidade criminal,
como as envolvidas no controle das ações impulsivas, das emoções e da
capacidade de resistir à tentação de prazer imediato. Ruben Gur, da
Universidade da Pensilvânia, resumiu a questão assim: “A própria parte do cérebro
que o sistema legal julga só entra em ação mais tarde”.
Desde que a
neurociência ajudou a convencer a Suprema Corte a salvar a vida de Simmons (que
hoje cumpre prisão perpétua), a questão do “teenage brain” – “cérebro
adolescente” – assumiu um papel importante no sistema judiciário dos Estados
Unidos. Alguns advogados logo tentaram usar a cartada da imaturidade juvenil
para neutralizar, de vez, a culpabilidade de seus clientes, como se o cérebro
imperfeito fosse a “verdadeira causa” dos crimes.
Poucos cientistas
endossam essa interpretação radical: ser adolescente não basta para transformar
ninguém em criminoso. Há outros fatores envolvidos, inclusive sociais. Uma
análise publicada recentemente, envolvendo mais de 50 mil homicídios
cometidos na Califórnia ao longo de duas décadas, mostra que a correlação entre
idade adolescente e comportamento criminoso é mais forte nas parcelas mais
pobres da população, e praticamente desaparece entre os ricos.
O que se sabe, de
fato, é que o cérebro jovem é mais vulnerável a estresse, a emoções fortes e
tem baixa capacidade de analisar as consequências de longo prazo de suas ações.
Jovens são naturalmente mais irresponsáveis, e não é muito difícil imaginar que
as pressões trazidas pela pobreza aumentem a tentação de agir
irresponsavelmente.
E o que tudo isso
tem a ver com o caso concreto da maioridade penal? Não vou defender aqui
a ideia de que ser irresponsável é ser inimputável – como escreveu um poeta,
“toda perversidade é fraqueza”, logo ser fraco não deveria bastar para
desculpar ninguém.
Mas, se o jovem
está disposto a cometer um crime, e ainda não está mentalmente equipado para
avaliar consequências de modo eficaz, será que o medo de “ser preso como
adulto” vai impedi-lo?
Talvez, dado o modo
como o cérebro adolescente funciona, o efeito dissuasório de uma redução da
maioridade penal seja muito menor do que se imagina.
Claro, dissuasão
não é a única função da pena. Há a questão da correção do comportamento, e de
se tirar elementos perigosos de circulação, poupando possíveis futuras vítimas.
Mas lembremo-nos de
que o Brasil não tem prisão perpétua, e que um jovem, julgado e preso como
adulto aos 16, muito provavelmente voltará às ruas antes dos 30, tendo passado
os anos que, na população em geral, são usados para aprender uma profissão e
começar uma carreira, trancafiado na companhia de bandidos experientes. Do
jeito que a coisa está, os adolescentes presos sairão da cadeia, já adultos,
graduados em colégios técnicos da crueldade e em universidades do crime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário